Quando falamos de direitos humanos… muitas vezes esquecemos [que] lutar pelos direitos humanos é lutar pelo direito de ser um humano.
O que é ser um humano?
Ser humano é [ser] uma pessoa que é reconhecida como ‘pessoa’ … e [reconhecida] como capaz de efetuar os grandes atos da vida.
Quais são esses grandes atos da existência?
É pensar, acreditar, amar, meditar.
Só somos verdadeiramente humanos na medida em que somos capazes de realizar esses atos! O que é um homem?
Um homem é aquele que é capaz de formar suas próprias ideias, não necessariamente por ele mesmo e sozinho… é claro! Mas quem é capaz, ao escutar o mundo, de forjar suas próprias ideias sobre Deus, sobre o sentido do belo, do verdadeiro e do bom, sobre o próprio homem, sobre o sentido da vida, sobre o sentido da morte, sobre a vida após a morte…
Aquele que é capaz de… realmente forjar suas próprias ideias sobre estes grandes temas da existência do homem… ele é um homem!
Um homem, basicamente, visto deste ângulo, pode ser resumido neste axioma filosófico:
Eu tenho ideias, eu acho, portanto, sou humano!
Eu amo, portanto, sou humano!
Eu medito, portanto? sou humano!
Eu rezo, portanto, sou humano!
Eu acredito, portanto, sou humano!
O drama do subproletariado é que ele não tem essas possibilidades! Por que ele não tem essas possibilidades? Porque ele é porque ele não está em condições de se fazer perguntas essenciais sobre a vida. Um humano [é aquele] que tem uma mente organizada, que é capaz de seguir seu pensamento, de empurrá-lo até o fim e, consequentemente, de retomar em si tudo o que ele tem ouvido, aprendido, visto, observado e de fazer disso, muito mais do que um objeto, um tema de reflexão, uma espécie de autoidentificação, e [ao mesmo tempo] de inserir o que ele adquiriu em uma totalidade familiar e social, de inseri-lo em um ambiente e de lhe dar um significado nesse ambiente: em uma palavra, de torná-lo parte do universal. Não há humano quando não se é capaz de ter um espírito que o conduza à universalidade! E é por isso que falamos tanto de uma memória … dentro de um Movimento, porque só um Movimento pode introduzir o Quarto Mundo no universal e dar-lhe um espírito universal!
Em uma palavra, humano é aquele que pode responder a três perguntas essenciais:
A primeira pergunta: “Quem é você?” – “Eu sou ser humano!”
A segunda pergunta: “Onde você mora?” – “Eu vivo na terra! Eu sou um terráqueo! Eu sou uma pessoa deste mundo!
Terceiro: “O que você faz?” – “Eu construo o mundo!”
Um homem que não tem consciência de construir o mundo […] é um parasita, uma pessoa inútil! E o Quarto Mundo […] está bem ciente disso! Ele está bem ciente disso… e é por isso que tem tanta inveja de nós!
Basicamente, a dificuldade que temos em conhecer o Quarto Mundo, quer sejamos voluntários ou não, é que a população… o sub-proletariado… tem inveja de nós, porque podemos responder a estas três perguntas: Quem é você? Onde você mora? O que você faz? E está ciente disso… Ele sabe disso…
Nasci no Quarto Mundo, e esse foi meu ciúme permanente…permanente! Isso é tudo que eu já conheci no mundo, e todos aqueles ao meu redor que eu conheço há quase 50 anos nunca disseram mais nada além disso! Uma segunda condição, uma condição para poder realmente expressar o que somos, o homem que devemos ser, é ter a capacidade de amar! Ou seja, colocar a outra pessoa no nível de nossas próprias preocupações! Isto é o que significa amar: colocar a outra pessoa no nível de suas preocupações, não suas preocupações secundárias, mas suas maiores preocupações! Maiores…[Amar é também] certificar ao outro que ele é importante! Não só para nós, mas que ele é importante para si mesmo, que existe para si mesmo, que é importante em si mesmo! E que é essa importância que está nele, que o faz, que conta para nós… porque é disso que o Quarto Mundo precisa e é então, neste momento, que ele deixará de ter ciúmes!
No momento em que a outra pessoa sentirá que é realmente igual para nós, não porque possa ser útil para uma coisa ou outra, não porque precisamos que ele não esteja sozinho, para matar nossa própria solidão, mas porque em si mesmo ele tem uma importância inalienável! E o Quarto Mundo sabe disso! Porque não devemos imaginar que o Quarto Mundo, que não tem um pensamento construído, seja um pedaço de madeira, uma pedra, água… De jeito nenhum!
Em certos momentos de clareza, ele lhe dirá – ele já me disse milhares de vezes: – “Eu o sirvo!”… “Eu o sirvo!”… e ele pode dizer a cada um de nós, não pode, o que é verdade: “Eu o sirvo! Você precisa de mim, não… não porque eu sou o que sou… mas você precisa de mim para fazer seus estudos, para se expressar, para conseguir algo, para lutar suas batalhas! Eu sou útil a você… não por causa do que sou… mas porque eu trago algo para você… que você mantém ciosamente para si mesmo…
Esse ‘outro’, esse outro que é o mais prejudicado de todos, esse outro que é importante em si mesmo e que é importante para nós, o Movimento escolheu que esse outro seja o mais desfavorecido! Na verdade, dentro da estrutura do Movimento, é aquele que está no fundo da escala social e, portanto, aquele que está mais privado de poder, de um pensamento construído e das possibilidades de amar, é este que o Movimento quiz alcançar! E é esta pessoa que o Movimento se propõe alcançar e considerar, importante em si mesma, para si mesma antes que a qualquer outra pessoa, e considerá-la como contando para nós! Este é nosso irmão… Esa é nossa opção…
Esta é nossa luta pelos direitos humanos: […] fazer emergir como humano aquele que está no fundo, no mais baixo da escala social, para que encontre as faculdades de um pensamento construído e as possibilidades de amar que carrega em si ao nascer, porque toda pessoa, quando nasce – sem fazer “rouseaunionismo” tolo – toda pessoa, ao nascer carrega em si estas faculdades, estas possibilidades em potencial… Ele é feito para pensar! Ele é feito para amar! E ele sabe disso! Ele sabe disso aos 16 anos… Ele sabe disso dos 40 anos!
A vida, ao contrário, injusta, desigual, dependente, deteriorou essas faculdades. Na realidade, o homem do Quarto Mundo é um homem mutilado, para quem – permitam-me usar esta imagem – as asas foram cortadas! Mas como podemos tirar esta pessoa das profundezas da angústia humana, da miséria e da solidão? Como fazer emergir esta pessoa que é um estrangeiro? Ele é um estrangeiro… e poderíamos pensá-lo: no nivel geográfico, ele está sempre fora das cidades… nós o dissemos: ele é um excluído… Ele é um estrangeiro social, um estrangeiro cultural, um estrangeiro religioso… Ele não faz parte de nenhuma espiritualidade… Ele não pertence a nenhum Deus… Em uma palavra, ele não tem identidade. Este homem que queremos trazer à tona é um estranho sem identidade. Não apenas no mundo de hoje. Esta sempre foi a condição dos muito pobres… e é a condição dos muito pobres na África, na América Latina, na Índia, na Austrália… em todos os continentes. Todos os cinco continentes! Não é possível encontrar, em nenhum dos cinco continentes, uma pessoa tão no fundo da escada social que não seja um estrangeiro!
Mas um estrangeiro… é alguém que tem medo do outro… que tem medo do outro logo que algo atravessa seu caminho… algo inusitado, algo fora do comum… então ele perde os pedais. Então ele não pensa. Ele entra em pânico! Ele perde sua bússola. Porque ele é alguém que não é reconhecido pelos outros!
E aquele que ele tem diante de si é sempre alguém que pode introduzir em sua vida o incomum, o imprevisível, o constrangimento, o enquadramento, a recuperação… E o Quarto Mundo sabe disso… Viveu-o… e passa de pai para filho! E é por isso que o Quarto Mundo tem medo dos padres… tem medo dos prefeitos, dos professores… tem medo dos assistentes sociais… tem medo de todos aqueles que têm algum poder ao seu redor. Ele tem medo do voluntário, do aliado que vem até ele. Ele tem medo de si mesmo!
E um homem que tem medo não pode crescer em seu pensamento… não pode fazer os atos essenciais para sua própria vida… para sua definição de homem… Ele não pode ser um homem… E um homem sem status, sem reconhecimento, um homem, um estranho entre seus irmãos, um homem que tem medo, é um homem inútil… E é por isso que o Quarto Mundo, como sabe muito bem, agoniza por sua inutilidade!
Assim, quando falamos da inutilidade, muitas vezes falamos da inutilidade que [se refere] ao trabalho. Estamos numa sociedade de trabalho… Há inutilidades que são muito mais graves… Há inutilidades sociais… Há inutilidades familiares… Há inutilidade religiosa, espiritual, cultural…
As pessoas do Quarto Mundo sabem que são inúteis em todos os níveis… em todos os graus…
Mas o dever de um ser humano, o dever de um ser humano, que os direitos humanos devem defender, é estar onde será mais útil na sociedade, entre seus irmãos… Mas isso é impossível no Quarto Mundo! E é por isso que nos juntamos ao Quarto Mundo!
É por isso que fizemos uma opção fundamental sobre essa pessoa, nosso irmão, meu povo, sim, pessoalmente, meu próprio povo, porque é isso que tenho conhecido a partir do próprio dia em que comecei a compreender as pessoas entre as quais vivi, e comecei a compreender as pessoas. Sei disso desde o próprio dia em que comecei a entender as pessoas entre as quais vivía e comecei a compreender os outros homens ao meu redor. Eu era um estrangeiro, um estrangeiro tomado de medo… permanentemente e incapaz de qualquer utilidade!
A primeira reação, a ação concreta na qual o Movimento se engaja em relação a estas pessoas, é antes que mais nada a solidariedade. Somos solidários com essa população… ou seja […] que recusamos, recusamos as estruturas, os sistemas que os esmagam, por causa da injustiça, por causa da falta de liberdade, devido à dependência, devido à ignorância, muitas vezes, procurada e desejada para o Quarto Mundo… impede que sejam animados pelo pensamento, pela reflexão estruturada e que possam fazer os gestos essenciais que são gestos humanos…
A segunda ação que buscamos é transformar a solidariedade em fraternidade. A solidariedade não penetra no homem, não encontra o homem… A solidariedade é apenas uma luta contra o sistema, e a solidariedade deve ser transformada em fraternidade… e é isso que o Movimento está pedindo! Isto é o que nós voluntários procuramos: criar fraternidade entre nós e com o Quarto Mundo. Ou seja, que o outro é verdadeiramente reconhecido como meu igual e que, porque o outro é reconhecido como meu igual, ele tem o direito de compartilhar comigo o melhor do que eu sou.
Pois a fraternidade é a partilha do melhor de si mesmo. Não é compartilhar numa luta, numa luta… Não! Aqui estamos no nível da solidariedade…A A fraternidade significa que o outro tem direito sobre nós. Na solidariedade, o outro não tem direito sobre nós, ele é um companheiro, ele tem [algo] em comum conosco. Este não é o caso aqui! O outro tem direito sobre nós… e o que ele não tem, ele tem o direito de nos pedir… e temos o direito de lhe pedir o que nós não temos … É isto o qa fraternidade…, a responsabilidade comum de compartilhar uns com os outros. E aqui estamos nós no meio do desafio! Porque aqui não somos apenas nós que compartilhamos, mas também o Quarto Mundo que compartilha conosco
Não é só o Quarto Mundo que pede… mas também somos nós… Assim, não se trata apenas de ensinar às pessoas a ler, a escrever… ou a contar… o que é uma questão de compensar o tempo perdido, de reparar os danos que foram feitos. Nem é para fazer as pessoas gostarem da escola através de centros culturais, bibliotecas de rua, o que podemos chamar de prevenção… não, não é só isso.
O que nos interessa não é apenas deixar as pessoas curiosas, atentas, dando-lhes métodos…Para nós, e é importante pensar muito sobre isso, trata-se de forjar as mentes e corações de homens, crianças e mulheres do sub-proletariado. E em troca, forjar nossos próprios corações…
Falamos muito desse famoso olhar hipnótico, o que significa que, porque você olhou para alguém, ele sabe ler e escrever… Maravilhoso! E é verdade! Mas por quê? Porque a pessoa à nossa frente, e nós, somos homens realmente transformados, homens diferentes, homens novos que se encontram… homens, portanto, que aprendem o que nós mesmos aprendemos, solidariedade através da partilha e fraternidade através do respeito. Porque o que é importante trazer para os mais pobres e para nós mesmos é o respeito por nós mesmos e o respeito pelos outros. Parece-me que não foi enfatizado o suficiente que, basicamente, introduzir as pessoas ao conhecimento significa introduzi-las antes de tudo ao respeito, porque a população não é capaz de respeitar uns aos outros… de respeitar uns aos outros.
Porque a população não é capaz de respeitar uns aos outros……, pois está tomada, encerrada na necessidade! E os homens e mulheres que são encerrados em necessidade são forçados a fazer as coisas que a vida ou o instinto os força a fazer!
Isto é o que o Movimento é, e o que eu transmito a vocês! O que quer é forjar o espírito e o coração de nós mesmos e dos pobres, dos mais pobres.
Mas também é, não é, para abrir-se à esperança. A esperança é a luz que é lançada na vida das pessoas, que entra em sua vida de nunca os deixa… e que ofusca a vida dos humanos!