Perdoar, acreditai, é mesmo muito doloroso !

Nos últimos meses,
no cruzamento da rua Cadet
com a avenida Montmartre em Paris,
algumas mulheres ainda jovens, com uns 25 ou 30 anos,
nas redondezas de um mercado, remexiam
nas embalagens de papelão amontoadas umas sobre as outras.
Uma delas apanhou dois queques, já meio comidos
e escondeu-os discretamente num saco.
Imediatamente, foram ao seu encontro dois garotos
com quem partilhou um dos bolos.

Fiquei de tal modo perturbado que não fui capaz de dizer nada!

No entanto, este caso
veio evocar-me os garotos que,
nos anos 60, no acampamento de Noisy-le-Grand
procuravam, também eles,
nos caixotes do lixo, algum alimento.

Também recordei aqueles rapazes
que venderam os berlindes.
Pois, queriam oferecer um pão à mãe,
para que ela pudesse festejar, em família, o dia do seu santo protetor.

Estava convicto de que nunca mais veria tal coisa.
Porém, eis que, inesperadamente, presenciei
uma jovem mãe a alimentar
os seus dois filhos com queques estragados.

Também não tinha imaginado viver,
naquele mês de setembro de 1984,
o pesadelo daquelas quatro crianças
com idades entre os oito meses e os oito anos
expulsas de um terreno municipal.

No entanto, foi o que aconteceu ontem de manhã.
Esta família tinha-se refugiado ali,
durante o mês de julho passado,
habitando uma tenda que lhe tinha sido emprestada.
Nem o presidente da câmara,
nem a assistente social,
nem o governador civi fizeram fosse o que fosse por eles.
Como era de esperar, limitaram-se a colocar as crianças
numa instituição, enquanto as coisas não se resolviam.

Contudo, não seria bom pensar que só há coisas tristes no Quarto Mundo.
Também lá se encontra a paz e o perdão,
muito mais fortes do que a miséria.

Estou, pois, a pensar naquele homem que encontrei no cemitério,
em agosto passado.
A filha de nove anos tinha sido atropelada por um carro
em cima do passeio, onde caminhava.
A menina morreu.
Depois do enterro, o pai dizia-me:
” Você, está-me a compreender,
eu queria estrangular o estafermo que tinha matado a minha filha.
Mas, quando cheguei ao comissariado,
vi que o acidente tinha sido provocado por uma mulher deficiente.
Então, fiquei sem palavras para lhe dizer.
Fiquei a pensar que também para ela
a morte da minha filha era uma coisa terrível.
Chorámos os dois, um ao pé do outro
e acabei por me dizer a mim mesmo que devia perdoar.

Mas, Senhor Prior, acredite, que não é nada fácil !”

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